sábado, 30 de agosto de 2008

Na sala de aula


OLHOS DE MUTANTE


Foi meu irmão Serginho quem adentrou a casa gritando.
- Mãe, o sol tá ficando preto!
Não me mexi, fiquei no quarto estudando. Todos os dias acontecia maluquices naquela cidade, uma cidadezinha do interior do Piauí onde meu pai havia sido transferido há um ano.
Mamãe correu até a porta. Na rua as pessoas olhavam para o céu protegendo os olhos da luz solar com a palma da mão, com negativos de fotografia ou com placas de raio-x. Uma certa confusão entre cépticos e ascéticos se formou. Falavam alto em tom desespero. Diziam que aquele eclipse era pra valer e que o sol não voltaria. Na esquina improvisaram um bolsa de aposta. Duvido se os perdedores pagariam a aposta se tudo ficasse escuro para sempre. Um bêbado não parava de grunhir: “o fim está próximo!”. Mães agarravam suas crias e choravam.
- É só um eclipse, mãe, e esse povo é maluco, falei para ela que já parecia estar envolvida na situação.
Não adiantava explicar, quem ia acreditar em um menino de 12 anos? Fiquei calado vendo uma multidão passar em romaria em direção à igreja, cantando, rezando o terço, queimando dedos nas velas, temendo o fim do mundo.
Ao meio-dia nenhuma nuvem no céu. Entre o sol e a terra o outro lado da lua - cansada de tanto romantismo barato, em datas agendadas por cientistas, profetas, curandeiros, macumbeiros e outros astrônomos – atravessava o diálogo bíblico da grande estrela e do planeta terra.
Os minutos metiam à escuridão na luz, os olhos mediam os minutos do fim. De repente tudo ficou escuro como o breu da noite, como se tivessem desligado o interruptor de luz, não de um quarto, mas do mundo.
Gritarias e lamentos se intensificaram. A escuridão é a pior das torturas. Ouvi confissões, nelas reconhecidas vozes. Mortes não esclarecidas, traições conjugais, dívidas não pagas. Tantos crimes capitais jogados no poço do fim do mundo.
Deus perdoou os pecados daquela gente. Lentamente uma brechinha de luz foi iluminando a cidade pecadora, e que ia se abrindo na medida em que eles gritavam em coro: “Aleluia, aleluia!”.
Preguei os olhos naquele momento, olhando fixamente sol e lua cansados do estranho coito galáxio. Tanta concentração encheu meus olhos de brilhos, como folguedos explodindo no céu. Eram brilhos de todas as cores, de todas as formas. Senti meu pênis rígido e de repente ejacular preso na roupa. Foi quando desmaiei entre a multidão no meio da rua.
Acordei à meia-noite, na cama do meu quarto. Abri os olhos e vi minha tia Juliana, totalmente sem roupa, peladinha, me perguntando se estava tudo bem, o rosto no meu rosto, os bicos dos seios dela tocando no meu peito. Eu estava sonhando? Tia Juliana sempre foi uma mulher moralista, nos seus trinta anos nunca homem algum viu ou tocou no seu corpo. Ela me fazia carinho como se fosse para voltar à vida, era um sonho? Eu nada respondia, estava atordoado.
- Vou chamar sua mãe, Mariinha vai ficar alegre que você voltou.
Tia Juliana foi caminhado até a porta, na beleza pura de sua nudez. O que estava acontecendo?
Coçei os olhos e abri: via o outro lado da parede, tia Juliana descendo as escadas, ainda pelada. Eu estava vendo a transparência das coisas. E a minha mãe que vinha? Pelada também? fechei os olhos e a escuridão me atendeu. Que alívio!

Levantei tateando alguns passos até a janela do meu quarto, abri os olhos e fixei a lua. Estava mais estranha do que nunca. Li uma reclamação na sua cor: por eu ter flagrado sua intimidade com o sol, um pequeno castigo!


Francisco Wilson

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