PEREBA NÃO FAZ MAIS GOL
Era a grande final do campeonato futsal da escola naquele ano. Os alunos chegaram cedo para garantir lugar nas arquibancadas da quadra de esportes. Mesmo antes do jogo, às nove da manhã, torcidas de todas as salas e séries, ruidosas, faziam valer o “grito-de-guerra” do time com bandeiras, apitos, tambores e músculos de emoção. Parecia torcida de um só time, do Oitava-B, não fosse uma dúzia de fiéis torcedoras da sala do Sétima-A. - uma minoria irritando o instinto imprevisível da turba. Se a torcida nos intimidava estrepitosamente, no jogo a nossa resistência seria subjugada ao opulento time do Oitava-B que se consagrara bicampeão do torneio intermunicipal de escolas. Invicto, tornara-se o orgulho da escola. Daí o motivo da algazarra da torcida não admitir nosso time enfrentar de igual por igual o bicampeão.
Eu era o treinador do Sétima-A, “a próxima vítima”, diziam. Na concentração esperávamos os goleiros, o primos Gato Félix e Dodô, quando fomos informados que o avô deles tinha morrido e que não iam jogar. E agora, só tinha um jeito: procurar o Ícaro, ele devia estar nas arquibancadas. Ícaro tinha fama de frangueiro, mas era um bom goleiro, e também um pequeno azarado no futebol.
Eu estava na arquibancada, calado, Juliana segurava meu braço, estava nervosa no meio daqueles alunos todos hostilizando nosso time. De longe vi Peteca me chamando. Foi quando o Oitava-B entrou em quadra, uma gritaria infernal fazia vibrar a estrutura sob nossos pés. Segurei a mão de Juliana e saí correndo em direção ao vestuário do Sétima-A.
Enquanto me trocava, vestia as luvas e outros acessórios medievais de proteção. O professor Ivonildo, nosso treinador, me orientava sobre a responsabilidade da minha posição. Deus, as regras, o juiz, os bandeirinhas e a própria torcida encorajam o goleiro destemido; o goleiro abatido é logo entregue ao diabo. Fiz que sim com a cabeça, eu sabia disso, e ia utilizar-me dessa proteção para uma desforra.
-- Ah, esqueça sua rixa com o Pereba, não deixe um ressentimento antigo jogar contra nós.
Seu Ivonildo sabia nos converter das besteiras que poderíamos fazer em jogo, o que comprometeria todo o grupo, todo um trabalho que ele fazia com êxtase. Pereba era bom de bola, artilheiro, ídolo da torcida, bajulado pelas meninas, e só. O resto era lixo, péssimo aluno, estéril nas provas, insubmisso, encarava os professores mediocrizando-lhes do salário, dizia que ele ia ganhar muito dinheiro no futebol sem precisar aprender aquelas fuleragens em sala de aula.
Do vestuário para a quadra, ainda no corredor de saída para a “arena”, Juliana me parou.
-- Vai não, eu escrevo de novo aquilo que apaguei na parede do seu quintal.
Olhei Juliana, os lábios dela estremeceram, mas não chorou.
-- Nós vamos ganhar, vou pegar todas as bolas, você vai ver.
Quando vi o Ícaro entrar em quadra, um dissabor enorme se apoderou de mim, como um fio descascado me chocasse tirando minha alegria do momento. Gritei tanto pelo Ícaro. Ícaro! Ícaro! ícaro! Meu filho, volte! Mesmo uma voz de diretora de escola ficaria inaudível em meio a empolgação fanática da torcida que se multiplicava em pancadas sonoras. Alunos, a maioria adolescente, festejavam uma vitória antecipada do time que adoravam. Gritavam destrutivamente em coro para o conhecido goleiro, que o treinador havia improvisado: FRANN-GUEEI-RO! FRANN-GUEEI-RO! GRANN-GUEEI-RO!
Mas levantei os olhos e vi o Ícaro altivo, no meio da quadra, impassível à gritaria, articulado no exercício que antecede ao jogo. Seus braços longos, ágeis, recebendo as bolas chutadas pelos companheiros de equipe, se preparando para recepções imprevisíveis na sua área durante partida. Perguntei-me onde ele arranjara tanta coragem? Decidi, naquela hora, acreditar nos reflexos sobre-humanos – ele ia precisar - de um goleiro que os alunos chamavam de filhinho da diretora.
O time do Oitava-B agregava os melhores jogadores, alguns deles eram nossos amigos na escola. Maradona, Jacinto e Batatinha jogavam com profissionalismo, respeitando o adversário. Os outros tinham características diferentes, cada um a sua maneira: Cacau era zagueiro, não jogava, dava pancada; Pereba era atacante, trocava tabelinha com Chulé, seu fiel escudeiro. O goleiro Sebim era o mais velho do time e já treinava nas categorias de base do Flamengo do Piauí, sonhava jogar no Albertão, lotado de torcedores em domingo de rivengo.
O Sétima-A chegou a final também invicto, era um time coeso, suntuoso, humilde. Nossa faixa de idade era de doze-treze anos, meninotes com os primeiros pêlos no sovaco. Zé Filho era zagueiro e exercia natural liderança; Brasil, Careca e Punheta faziam o ataque. Torino e Qualhada eram inconstantes, às vezes jogavam bem, outras, a gente se desdobrava para compensar as falhas deles. Eu era o goleiro titular, mas desafetos com Pereba (ele havia me intimado a lhe passar respostas do provão da escola e eu me recusei), temendo represálias em jogo (Pereba tinha físico compatível com sua ignorância, ou burrice), o professor Ivonildo resolveu me afastar do time.
O clima estava tenso, a torcida não dava trégua. Do outro lado da quadra o Oitava-B ressoava, mordaz, vitória certa. O professor Ivanildo nos transmitia tranqüilidade e realidade:
-- Não há vitória antes do jogo, mas eles têm três vantagens na nossa frente: jogam pelo empate; a balbúrdia da torcida e duas estrelas no peito.
Quando o juiz apitou, um chute furioso de Pereba, do meio da quadra, acertou minha trave. Tremi abraçado aos ferros da trave. A torcida veio abaixo.
Em cinco minutos de jogo a torcida se calou. Arremessei a bola redondinha aos pés de Careca que, num drible desconcertante, deixou Cacau de bunda no chão. Aí tocou para o Punheta, livre na esquerda - correndo feito bailarino contando passos - que acertou um bico na cara-da-bola: um chute fulminante. Um a Zero.
Batatinha dizia para eu tomar cuidado, Chulé e Pereba estavam pintando sujeira para mim. Fiquei atento. Mas os dois eram artistas. Bola alta na área, Chulé me empurra por trás, desloco Pereba da cabeceada e Batatinha faz o gol: um a um. A torcida vai ao delírio.
Nosso time, antes modesto, tornava-se majestoso. O toque de bola gracioso e preciso aos poucos contagiavam parte da torcida a nosso favor. Finalzinho do primeiro tempo, numa jogada ensaiada, Zé Filho saiu da zaga em disparada para receber minha bola na entrada da área adversária. Calculei o peso do arremesso e a bola pingou na cabeça dele direto para o fundo da rede. Sebim ficou nadando no cimento. Era dois a um.
Vaaaaaaaleeeeeendo torcedores dessa graaaaannnnde comunidade do Bairro Porto Alegria, quem vós fala nessa rádio comunitária líder de audiência é o humilde Jorge Cury, o Jorginho, que tanto acredita na força do trabalho dessa gente querida, dessa gêêêêênnnnn... um momento pessoal, o surpreendente time do Sétima-A vai com tuuuuuudo no ataque, esse menino é noooosssoooo, é um gênio, um Pelé, faaaalo do habilidoso Careca que passa a bola redondinha para o Punhe...- garoto que corre - ÊPA! um chuuuuuuuutaaaaaaaaçoooo e é gooooooooollllllllllllllllll!!!!!!!!!!!!!!!
Tééééééééééérrrrmina o joooooogoooo, torcida amiga, não de mais um campeonato da nooooosssssaaaa querida escola do bairro, mas de um caaaaaammmmmpppeeeeonaaato para ficar na história das nossas vidas, de nossa família, de noooosssssaaaaa coooomunidade. Consagra-se campeão o belo time da séééééééétimaaaaaa séééérie, registramos os nomes dos heróis dessa disputa aaaaanimaaaadííííííííííiííssssiiiiima, entre aqueles que defenderam a hõõõõõõõõnnnnrrra da turma dessa sala da escola estão o gôôôôôlêêêêêêêiiiiiiiro Ícaro!!!!!, o maaaaataaaaadooooor Careca!!!!!!, o volante Braaaaasil!!!!! e...ele, o artilheeeiiiiiroooo maaaiiiior: Puuuuunhêêêêêêêêêtaaaaaa!!!!!!!!, o futuro craque da seleção brasileira de futebol! Mêêêêuuuuuusss irmãos, mêêêêuuuussss queridos torcedores, Péééééréééééébaaaaaa não é maaaiiiisss aquele, não faaaazzzz maaaaiiiiissss goooollllllllllll!!!!!!!!!!
Francisco Wilson
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