domingo, 21 de setembro de 2008

Na sala de aula

(foto sem crédito)
Anatomia humana

“Acordo com a sensação de ter sido
ofendida, ferida, ultrajada em algum
momento do dia de ontem”. (Alberto
Moravia - O Cinto in A Coisa)

O professor Juliano adentrou a sala tropeçando na aula. A turma já aguardava a atrapalhada do dia. Nesse ele deixou cair gigantescos canudos de cartazes pelo chão da sala, foi a palhaçada dos primeiros minutos. Ele era assim, como professor iniciante: atrapalhado ou excitado para iniciar a aula. Um dos cartazes que caiu se abriu ainda no chão e flagramos horrorizadas a figura cabeluda. Os idiotas dos meninos, como de praxe, sorriam ajumentadamente. Logo o professor botou ordem na casa, e ele tinha moral: em vez de gritar com a turma ele batia continência, ao estilo dos militares. E todos nós logo posicionávamos a mão na testa em respeito à hierarquia - ao capitão Juliano. Em seguida o deus do silêncio nos orientava para a aula.
Ficamos ansiosos em ver os cartazes. O professor Juliano era apaixonado por ciências, gostava de mostrar coisas novas para a turma. E a empolgação dele era movida por límpidos olhares pré-adolescentes à espera de algo assombroso que só a ciência nos deixava naquela estado. Pelo que vimos incidentalmente, na queda do cartaz, era algo que considerávamos vergonhoso.
- A curiosidade sobe o muro da vergonha, disse o professor, subindo na cadeira e colando os cartazes no quadro.
Em silêncio vimos, pela primeira vez, os órgãos genitais feminino e masculino expostos abertamente, em várias dimensões. O que mais assustava era o que mostrava a entrada da vagina. O desenho de uma mulher de pernas abertas. Pelo modo como os meninos olhavam parecia que todos desejavam entrar ali. Deve ser quente lá dentro, murmurou Carlinhos; professor saliente, comentavam algumas meninas; risinhos incontroláveis quebravam o momento. Entre olhares a gente reprovava a quantidade de pêlos que colocaram nos desenhos. Só o Ricardo falou.
- O papai e a mamãe têm monte de pêlos assim.
Caímos na gargalhada. O professor pediu calma. Explicou que era aula de anatomia humana, de reprodução humana.
Na saída minha amiga Débora comentou: um professor tão bonito, mas tão saliente.


Terminei a última aula cansada. Era meio-dia. Sentei-me no banquinho rotineiro na pracinha da escola, esperando as crianças. Àquela hora era muito barulho, meninos, meninas e adolescentes esperavam os pais correndo e brincando a idade. Minhas esperas nunca eram dolorosas porque eu sempre carregava um livro de poesia na bolsa. E aquele momento nunca se tornava rotineiro porque eu via as crianças alternando suas brincadeiras. Eu tinha um olho no livro e o outro na geração que se movimentava. O Toninho chegou primeiro, ofegante, quase não conseguia falar.
- Mãe, a Fabiana tá assistindo filme de mulher pelada!
- Hã!? – (criança fala cada uma). Como professora, aprendi disfarçar naturalidade diante de certas “verdades” infantis.
- É, o professor tá passando no data-show filme de mulher nua, toda cabeludona!
- Fala baixo, quem é o professor?
- É o papai!
- Ah! Olha, vem cá, benzinho, o seu pai é professor de anatomia humana, de reprodução humana...


francisco wilson

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