terça-feira, 29 de julho de 2008

Dos Blogs: "Confraria Tarântula" e "Kenard Kruel"














HEPTAGRAMA
Foi o primeiro de uma linhagem de sete. A mãe, maldição nenhuma lhe lançou. A dedicada esposa, uma mulher resignada. Assim, cumprir a missão – que lhe veio naturalmente e pelas mãos de Príapo - não lhe pareceu uma tarefa hercúlea; antes, uma dádiva divina (perdoem a redundância) com a qual os eleitos, os justos e os bens aventurados, somente eles, são ungidos. Seduziu sete mulheres puras. Todas previamente irrigadas com vinho tinto. Nenhuma delas respondia pelo nome Maria. Sobre elas derramou as sete taças de sua graça. E a cada uma deu o nome de uma deusa grega, porque foi assim que elas se mostraram. Por isso, deu-lhes mais que a espada fremida, quando lhes penetrou a carne. Era um dedicado pescador, de almas femininas. Estudioso, também. Ninguém as compreendia melhor, sentenciava. Elas, mais que isso, intramuros, confirmavam o que já se sabia. Tinha o toque de Midas. Depois de sua passagem, cada uma delas alcançou a graça perseguida pela maioria das mulheres medianas, as verdadeiras altivas. Casaram-se. Um filho haveria de completar-lhes a felicidade. Gratas, se sentiram também no direito de chorar sua súbita morte, como se viúvas fossem, o que de fato eram. Foi quando se conheceram, se é que se pode dizer que se conheceram, pois palavra nenhuma foi pronunciada, olhar nenhum foi trocado, nenhuma cumplicidade testemunhada. Em todas - e as razões eram fundadas – o receio no coração de que se confirmasse uma suspeita. O mesmo olhar, a mesma abordagem, as mesmas palavras sussurradas em tons melodiosos, a mesma rendição e a alma (a dele) inquieta, sempre. Perfilaram-se uma a uma, ao lado da urna. Foi quando constataram que ele conservava na pele a mesma viçosidade. Nesse momento, assim revelam os mais velhos que testemunharam de perto e a quem não é dado a mentir, por pouco não claudicaram. A imagem das narinas obstruídas com chumaços de algodão trouxe-lhes, de volta, à realidade. Rezaram sete vezes o terço e incontáveis ave-marias. Após, circularam; umas beberam café, outras chá de camomila. Todas comeram sequilhos frescos. Misturaram-se, com aparente intimidade, entre amigos e familiares, com os quais conversaram amenidades e aproveitaram para satisfazer curiosidades. Depois, cumprimentaram, com profunda dor, a inconsolável viúva. Quando os olhos se cruzaram, não resistiram e do peito irrompeu o pranto. Havia algo de familiar. Tiveram a nítida impressão de que, em algum lugar, no passado, viveram idêntico momento. Recompostas, se prepararam para sair. Antes, tocando-lhe, com a ponta dos dedos, os lábios, que lhe pareceram ainda quentes, despediram-se.Quando assinaram o livro de visitas, o fizeram com os nomes fictícios.Foi o último acontecimento acerca do qual não existe divergência de testemunho. Sobre os que se sucederam, as versões são desencontradas. Dentre os vários relatos, narro abaixo o que me pareceu mais sustentável.Ao saírem, cada uma seguiu um caminho diferente e as linhas imaginárias traçadas a partir do ponto inicial formaram um septagrama.Aquela foi a primeira e única vez que se encontraram. Nunca mais se viram.Ainda assim, numa combinação silenciosa, guardaram luto fechado por sete dias (quando se vestiram de preto) e mil e uma noites secretas (há quem diga que coincidiram com os dias), tempo em que as tarântulas - umas negras, outras quase ruivas - cresceram livres, para a perplexidade dos maridos.Passada a clausura, numa noite em que a lua estava coberta de leite, todas foram simultaneamente fecundadas. Nessa mesma noite, os galos da madrugada emudeceram, os cães ganiram silenciosamente, os ponteiros dos relógios giraram no sentido contrário. Soube-se que no oriente os rios e os mares engoliram a terra. Decorridos sete meses, um raio fulgurante de mil anos-luz atravessou a abóbada celeste anunciando a aurora. Nesse exato instante, embora não saiba se é seguro afirmar, todas as estrelas de sete pontas reluziram no firmamento.Sete dias após, os notários inscreveram em seus assentos o nascimento de sete varões. Todos registrados com um só nome, composto por sete letras e um enigma.

João Luís Rocha Nascimento

(Ilustração de Amaral, achada por Kenard Kruel)

domingo, 27 de julho de 2008

Apoesia é necessária



Saliva


Tenho uma língua na mente
Outra na boca
Uma que pensa
Outra que lambe

Língua da boca
Prazer do consumo
Outra atrevida
Mente lambendo vida

Limão é uma frutinha
Gotinhas na caipirinha
Sob sutiã adolescente
Limãozinho florescente

Jacarés escorregam
Na própria baba
Bunda de morena na praia
É chocolate sem embalagem

Tenho saliva de jogador
Segundo tempo no jogo
Eleitor cuspe-bala
Na cara do time direita

Debaixo da língua guardo
A mais doce saliva, menina
Coca-cola nos lábios
E um beijo para te amar

F. Wilson

sexta-feira, 25 de julho de 2008

A poesia é necessária

Julgamento


Culpado não é o tempo
Convenção de gerações

Nem o homem
Réu confesso da idade

Mas o inventor do tempo
Que arma ciladas

Para a Morte


F Wilson

quarta-feira, 23 de julho de 2008

A poesia é necessária

Paissandu


Na Rua Paissandu
Em Teresina, a história
Bêbada de sono
Chocalha os ossos do tempo

Noites antigas
Sombreiam saudosistas
Cardumes alegres
De almas errantes

Oito horas da noite e a Paissandu
Abre sorrisos nas janelas
Uma amor, outra paixão
Uma raio, outra trovão

As pernas grossas de Dorinha
Os seios altos de Lúcia
A vulva bezerro de Angélica
Três janelas, uma porta para o inferno

Dentro da noite
Todos os gatos são pardos
Todos os gestos são frágeis
Dentro dos homens

Labirinto calçado entre becos

Vitrolas t(r)ocam pares
Rivais destilam ódio
A rua: labirinto perigoso

A rua dos homens românticos
Aventureiros competentes ou traiçoeiros
Competente perigoso não é menos confiável
Que covarde perigoso

O álcool aproximando conversas
Dilatando sorrisos
Puxando briga
Deitando vítimas

O estampido da pistola avisa
Que a Paissandu é assim mesmo
Contornar uma esquina
É vencer mais uma curva do destino

F. Wilson

domingo, 20 de julho de 2008

A poesia é necessária

Amanda (fragmento)

Agora uma chuva
Anunciando seus trovões
Todo ano tem seu janeiro
Diferente de ser
Todo homem tem seu jeito
.........................................
Minha mente ameaça:
Neurônios-bombas, alerta geral!

Que nada, intervalo de uma cena
Uma cerveja no bar do tempo
Girando um disco do Roberto Carlos
Em 1969
69?
Uma bolha de uva explode
No céu da minha boca
Solidão é cascalho de precipício

Amanda
vida via dourada
Namorada apaixonado do vento
A empoeirar
Gramas de beleza pela rua
(Quem era eu a persegui-la
Na tentativa
De colher um fio perdido do seu cabelo)
Era 1975
Dez anos
Antes
Trancinha era seu cabelo de menina
Que se desfez em transa
Penugem feminina
Relva abrindo em flor
Orvalho em dia de calor

TV preto-e-branco
Canal do tempo
Tela corpo belo
Pele branca
Buceta preta
Corte aberto
Hora incerta
Sexo quente
Goza lento
Cospe dentro
“Me’spe...ra...
Ama...am...ãããã...”
Anda... sua puta!

Amanda nua
suculenta
Grito puro:
Me’spe...ra...

Outra volta
No teu corpo Amanda
Qual descompasso avança
Sobre coração emocionado?
Extremidades exterminam razão
Na superfície da tua pele
Dez pontas de dedos
Mergulham no desejo
Fagulhas que tu chamas
Quantos quilômetros de pêlos
Hei de atravessar
Quantos dias quantas noites
Para jorrar dez segundos
De água abundante
A vida solavanca dentro dessas veias
Amor, sexo, amor, sexo, amor, sexo...
Pre...
enche
Pre...
nha

Fornalhas
Úmidas

Côn cavo
Con vexo
Côn cavo
Con vexo
Côn cavo
Con vexo
Côn c...
....... Ahhhhhh!

Amanda, onde estás?
O tempo voraz lambeu
O doce que tinhas na pele
E o perfume do desejo
Secou nas pétalas de uma flor
Socada entre tantas páginas
Dos contos pôrnos do Henry Miller
Ensurdecidos dos teus gemidos
Engessados de tantas quedas
Jogados da cama enlouquecida

...................................................

F. Wilson


quinta-feira, 17 de julho de 2008

Do blog: Airton Sampaio Blog

HABEAS CORPUS INSTANTÂNEO

Deu no MonkeyNews do Zé Simão, no Uol: "... o Gilmar Mendes vai lançar um novo modelo de 'absolvente'. Vai chamar "Sempre Livre"! Rarará!
Postado por Airton Sampaio

A poesia é necessária

MAR

Tenho o sangue azul do mar
e olhos verdes do oceano
corpos de cores apimentadas
namoram a luz solar
ondas dobram curvas

salga pele de mulher
suor calor
a praia é o (a)mar.

Tenho poesia lá do mar
e olhos salgados no pensar
mergulho na onda pequena
algas douradas trago teu colar
mergulho mais profundo
lodo abissal
meu pensamento percorre
distância que não pude amar.

F. Wilson

DO BLOG: "VIDA NOVES FORA ZERO"



Tarântulas no Nova Brisa para nunca mais
Estivemos presentes (Airton Sampaio, Bezerra JP, J. L. Rocha do Nascimento e este blogueiro) com Francisco Willson, Kenard Kruel, Rafael Fagundes Cavalcanti e Rentata Pitta, no Nova Brisa, domingo, julho, 13. O atendimento somente não foi superado pelos músicos que teimavam em afastar a clientela do restaurante.
A reunião, mais do que de trabalho do Grupo Tarântula de Contistas, serviu como confraternização do Grupo com os convidados, notadamente com Kenard Kruel, que, se sabe lá o porquê, inventara uma polêmica com os tarântulas. Ao final, Kruel foi sondado para atuar como assessor de imprensa no lançamento da coletânea de contos do Grupo previsto para março de 2009, noticiado em postagem de junho, 2, deste blog.
A exceção das fotos de Kenard Kruel e de Renata Pitta, que pertencem a este blogueiro, todas as demais fotos são de autoria de Renata Pitta.

(Postado por Leonam)

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Na sala de aula

DIA DE PROVA


Hoje é dia de prova na escola e todos os alunos ficam nervosos, até mesmo os mais confiantes – os cdf’s. Eu não, eu fico excitada. Hoje mesmo já me masturbei duas vezes, uma durante o banho da manhã, outra dentro do ônibus, sentadinha, ao peso dos livros que estudantes colocavam no meu colo. Isso a caminho da escola. E agora na sala de aula sinto minha calcinha molhada só de ver os meninos e meninas tremendo na expectativa de mais uma prova.
Não sei quem disse que prova é pólvora e que o bico da caneta é ogiva na alternativa de cada questão: errou, dançou. Acho que foi o professor de matemática, ele tem mais pinta de filosofia ou de literatura. A melhor aula que acho é de literatura, mas o professor é muito feio, além de velho. Gosto de professores bonitos, jovens e inteligentes como o de matemática. Hoje a prova é dele, só de pensar meu coração acelera, pode ser da emoção de vê-lo ou do nervosismo que a prova causa. Nesses dias encho os bolsos de lencinhos de papel ou mesmo de papel higiênico, pois vou constantemente ao banheiro desgrudar a calcinha da xoxota, pois tou sempre gozando. É silencioso, ninguém nota, a não ser o chato do Humberto que fica só olhando para mim.
- Acorda, Michele, grita ele. Por dentro eu estou enguando mais do que carro velho com carburador entupido. Depois do gozo tenho vontade de gritar como você é chato, Humberto. Mas não falo nada, apenas encosto minha cabeça no ombro dele e olho para um céu sem lua. Ele é apaixonado por mim mas eu não tou nem aí pra ele, eu gosto mesmo é do meu professor de matemática.
Foi o professor de literatura que falou sobre paixão platônica. Detestei, fiquei envergonhada, pensava que todos estavam olhando para mim. Depois de um tempinho olhei os rostos das colegas e todas estavam vermelhas como pimenta malagueta. Aí foi minha vez de sorrir. Então elas também tinham suas paixões secretas? Olhei para os meninos, tinham a indiferença dos burros. Alguns não estavam entendendo nada, claro, começavam a conversar besteiras e levavam bronca do professor. Bem feito para eles.


Silêncio é misto de concentração e nervosismo, dizem os professores. Tentando aliviar a tensão dos alunos,a pedagoga chega sempre imitando novos métodos encontrados sabe onde. Nesse dia ela chegou na sala mastigando chocolate, falando chocolate, segurando chocolate e gozou lambuzando a sala inteira de chocolate. Aquilo tirou minha tesão, pois me preparava para a prova, ou melhor, a excitação da prova já havia umedecido minha buceta e a calcinha estava ensopada, qualquer movimento de perna ia me fazer gozar a melhor hora. Adoro chocolate, mas depois de um orgasmo. Agora vou ter que mexer o dedinho no clitóris para recuperar o desejo perdido. Tudo bem, basta deslizar um pouquinho o zíper da calça. Ninguém vê, pois estou sentada junta à parede da sala, sou a terceira da fila. Tenho uma prática muito discreta nisso. Meto entre o zíper somente o dedinho que acaricia o clitóris molhadinho. Os outros dedos sobre a mesma mão seguram o estojo de lápis. O professor de matemática nem percebe, e na hora que vêm o gozo olho firme para os olhos verdes dele, parece uma eternidade, mas não dura mais do que dez silenciosos segundo de estocadas orgásticas. Depois fecho os olhos para mais alguns segundos de prazer. Nem percebi quando ele chegou perto de mim.
- Tudo bem com você? Perguntou ele, pegando minha mão esquecida sobre a mesa, molhada de vagina.
- Nada, não, professor, caiu um cisco no meu olho e tá lacrimejando.
Ele se afastou, cheirou os dedos, e ouvi-o falando em pensamento: “parece lágrimas de prazer”.



F. Wilson

domingo, 6 de julho de 2008

Leite derr(amado)


Sim
Adianta chupar
(Não exatamente chorar)
Sob o leite
Ou sob seios
Derramados
F. Wilson

sábado, 5 de julho de 2008

A poesia é necessária

Cowboy

Eu te daria adeus, minha adorada
Se toda liberdade fosse voluntária
Se meus olhos não boiassem
Nesse tanque de sangue derramado

Eu até te levaria para bem longe daqui
Nas sombras da noite tênue
Entre o miado de um gato
E o engatilhado duma pistola

Mas o longe é distância
Que uma dura dívida nega
E a poeira levantada no caminho
É pólvora baixada na memória

Eu te daria adeus, garota
Um milhão de dólares vale minha cabeça
Nessa terra que preciso arar
Artigos de leis nela plantar


F. Wilson

Na sala de aula

O SEQUESTRO

A capainha tocou matando a impaciência. Já tava todo mundo de mochila nas costas e a professora nem teve tempo de concluir o assunto. A gente gostava dela, mas o tempo dela acabara. Suspirou fundo, mas ela sabia que criança nunca tolerava conversa após o horário de saída - acho também que era um suspiro de quem merecia uma hora de descanso. Ainda olhei para ela e dei um thau com o olhar de aluno apaixonado pela professora.
Na calçada da escola o congestionamento de sempre. Carrões em fila dupla esperando os filhos. Motoristas impacientes buzinado e botando a culpa no guarda do Detran. Xingamentos, ameaças. Rico não tem paciência de esperar, mas ali o dinheiro deles não comprava a mãe de ninguém.
Eu sempre saía correndo daquela confusão para caminhar tranqüilo a uns cinqüenta metros adiante na calçada. O sol do meio-dia batia quente e eu arranhava as costas na sombra das paredes até a parada de ônibus. Ainda na calçada da escola avistei a cena: saindo de uma camionete hilux cinza dois homens encapuzados abordaram uma menina na calçada e a jogaram dentro da hilux. Um encapuzado ainda sondou a área antes de entrar no carro e saíram em disparada. Suando mais do que devia, saquei tudo. Tratava-se de um seqüestro. Eu conhecia a menina do colégio. Também lia muitos livros de aventuras.
Sem perder de vista a hilux e esperando o momento certo para me lançar no meio da rua, meus instintos de heroísmo se confundiram com juízo de cidadania que a professora tanto ensinara.
- Ta louco, menino, quer morrer, sai da frente! Gritou o homem do honda preto.
Com a mão estendida gritei, abafando a voz dele.
- Escute, moço, uma menina foi seqüestrada nesse instante, tá indo naquela hilux cinza dobrando a esquina.
Ele viu rapidamente o carro cantando pneus na curva
- Entra aí, garoto! Era um senhor inteligente.
Entrei no honda batendo porta. Os pneus atritando asfalto.
- Me dá o teu celular para acionar a polícia. Falei.
Uma menina se inclinou do banco de trás e colocou o celular na minha mão. Era uma menina loura. Disquei o 198 e comuniquei o fato on-line. O policial que atendeu disse que precisava da confirmação de alguém maior de idade.
- O senhor é maior de idade? Falei, entregando o celular do moço que dirigia feito filme americano perseguindo bandido.
- Policial, quem fala é o juiz Anderson da segunda vara criminal, estou na avenida Frei Serafim perseguindo seqüestradores e se você duvidar vá se fu...
Ele não terminou de falar, jogou o celular e bateu o carro.
Não vi mais nada.


F. Wilson


Na sala de aula

SEXTA-FEIRA, 13

Saí da escola martelando a certeza de mais um dia comum. Nessa idade eu convencia qualquer pergunta respondendo “sim”, “não”, “talvez”. Quem me perguntava mais eram as freiras – donas da escola. Queriam mexer comigo. Elas sabiam que todo mundo queria ler minhas redações que as professoras exigiam na disciplina. A Irmã Mariana um dia me disse:
- Eu sei. Você, garoto, prefere ver as pessoas falando. Mas não é bom ficar o tempo todo calado desse jeito.
Ela tinha os olhos verdes da cor de azeitona, era branca e devia ter os cabelos negros longos. Como uma mulher daquela tinha virado freira?


Não era um dia comum. Minha mãe havia me dito que eu tinha nascido numa sexta-feira treze. Era noite e a lua cheia acompanhara o parto junto a janela do quarto da maternidade onde ela estava. Foi uma noite inquieta pois ela ouvira muitos uivos de carona no vento.
Era uma sexta-feira 13. eu havia feito as contas:
Treze anos de escola – do jardim até a sexta série onde estava;
Treze registros de indisciplina na escola – consultei às freiras;
Treze paixões platônicas entre professoras e alunas;
Treze “colas” bem sucedidas no percurso avaliativo;
Treze era minha média escolar – a mínima era doze;
O porteiro desconfiou de minha mochila, grande e pesada. Mandou eu esvaziá-la. Contou: Tirando o caderno, treze livros – mais paradidáticos que didáticos. Me pediu um do Raymond Clandler emprestado.
Eu estudava na sala de número 13 da escola.
Perguntei a professora Ritinha.
- Professora, quantos irmãos a senhora tem?
- 13, meu lindo, por quê?
- A senhora, que número na família?
- 13, sou a mais nova!


Não falei para ninguém, nesse dia eu estava completando 13 anos. Se tivesse falado para a professora Ritinha ela teria providenciado um bolo e refrigerantes, além da chatice do parabéns. Ainda bem que nada disso aconteceu. Os meninos e as meninas só falavam de histórias e lendas que acontecem nesse dia, e que nos Estados Unidos existe um tal de “hallow...”, dia das bruxas. Eu achava tudo aquilo uma grande bobagem.


Mas, como ia contando no início, a campainha tocou e eu fui logo tratando de ir para casa. Sentia os tênis apertando nos meus pés. Caminhava apressado pela calçada. Foi quando a unha do dedinho furou o tênis e apontava fora. No outro pé mais unhas ameaçavam arrebentar a lona do calçado. Que merda, eu já havia aparado as unhas três vezes hoje.
Outra coisa estranha: pontinhas de pêlos crescendo no corpo inteiro. Estava coçando. Ao chegar em casa vou ter o cuidado para minha mãe ou minha irmã não me verem pelado.
Olhei para cima e uma lua gordona parecia olhar para mim, dizendo:
- Hoje a noite é tua, garoto!

F. Wilson