domingo, 11 de julho de 2010

Na sala de aula

Atrasado

Era uma segunda-feira, lembro, manhã de julho de provas na escola. Os alunos já estavam recolhidos em sala de aula. O diretor me esperava na entrada. Eu andava me atrasando naqueles primeiros dias de julho, acho que por conta das proximidades das férias. Mas o diretor foi educado, cercou o braço no meu ombro, elogiou-me e fez o pedido, acompanhado do gesto de levantar as mãos e medir com os dedos um tantinho.
--- Dá pro senhor chegar um pouquinho mais cedo? Ele continuava com os dedos medindo o tantinho, aquilo me desgostou.
--- Dá não, falei, como se fosse negociante.
--- Por quê, professor? Os dedos medindo o tantinho.
--- Olha, o preço é esse mesmo, e olha que não estou ganhando nada.

Dois dias depois uma autoridade da secretaria me intimou, através de telefonema, meu comparecimento a seu juízo, a determinada data e hora. Calculei, na certa o diretor havia se queixado.

Para não fugir a regra cheguei atrasado, disse a moça secretária, atrás de um computador, telefone, agenda, indiferença etc. Ela tinha uns peitos bons, o decote da blusa deixava ver. Sentei-me num banquinho e olhei umas duas outras pessoas que me faziam companhia ali naquela sala. Tinham, como eu, também cara de professor. Só que elas pareciam cansadas da vida, da profissão. Eu precisava também me olhar no espelho.
Sem me olhar, falando para o computador - acho que o tempo todo ela navegava no orkut - a garota dos peitos bons me anunciou, dizendo seu francisco a superintendente o aguarda.

Ali estava eu diante de uma super. Eu que durante a minha infância havia lido tantas revistinhas do super-homem, imitava o herói pendurando toalhas nas costas correndo pela casa do tempo, sonhado namorar a super-girl (sim, naquele tempo havia a super-moça). Ali estava eu, decepcionado com os heróis da minha infância. Nem eu havia me transformado em super, nem a super ali na minha frente apresentava nada de belo como a super-girl.

Era uma velha com cara de professora cansada da vida, da profissão. Mas também com cara de burocrata que precisava complementar seus dias de trabalho para aposentadoria. Acho que ela não foi com minha cara de aluno rebelde.
--- Muito bem, senhor francisco, há uma reclamação que o senhor chega atrasado para o trabalho. O que está acontecendo? Não dá pro senhor chegar um pouquinho mais cedo?
Ela levantou a mão e mediu com os dedos o tantinho. Aquilo me enfureceu, mas eu estava diante da super, tinha que manerar, falar para convencer.
--- É que no percurso para a escola tenho que fazer uma parada na padaria para comprar uns pãezinhos, merenda no recreio da escola, e às vezes o carro guincha sem sair do lugar e é trabalho para empurar.
--- Se o senhor tem de comprar seus pãezinhos, é só sair um pouquinho mais cedo de casa. Então, não dá pra chegar um pouquinho mais cedo na escola?
Ela parecia uma estátua com os dedos das mãos levantadas, gesticulando a abertura do tantinho.
--- Dá não senhora, respondi.
---Por quê? Ela se adiantou sobre a mesa aproximando os dedos velhos na minha cara.
--- Olha, o preço é esse mesmo, e olha que não estou ganhando nada!


Saí.

Descontaram trezentos reais do meu salário de julho, ano passado.


F Wilson


2 comentários:

Unknown disse...

Eita poeta arretado!
Isso mais parece cena real do meu cotidiano de trabalho. rs! esse sinal do dedinho então, é a cara do meu salario. rs!

Abraços para vc Poeta Wilson, pra mana Mazé, e meus queridos sobrinhos (saudades do bibi)

Robert Alexandre.
Santa Fé do Araguaia-TO.

f.wilson disse...

Valeu pelo comentário, Robert.
Por aqui tudo de bom. Estamos organizando o janeiro de 2011 para outros dias de férias aí.
Abraço.