sábado, 13 de novembro de 2010

Na sala de aula

(foto web - sem créditos)

A toalha
Sandra banhava junto à pia onde lavava roupa, no quintal. Algum distraído da casa não fechou direito a cerca do coelho maneco. Foi quando o animal passou por ela e  pulou se desviando da água do banho. Sandra largou a cumbuca dágua, amarrou a toalha no corpo molhado e correu atrás do fujão casa adentro. Na calçada da rua gritou:
— Luci, olha o coelho na rua, menina!
— Mãe, a toalha!
Tarde demais, a toalha estava no chão. Num gesto de pureza, a obra-prima agachou seu corpo leitoso e se cobriu novamente. Sondou a rua certificando do flagrante: do outro lado, na calçada jogando xadrez,  só estava mesmo a molecada que ela a viu nascer, e que já estava na idade do pelo.
Marquinhos se assustou com o grito de Luci e viu a cena; mas Carlão, concentrado na sua vez de jogar,  estava de costas.
— Porra, perdi, lamentou.
— Perdeu o quê? Gritou Luci, que esperava o perdedor do jogo - Vocês sempre perderam, seus idiotas.
A menina levantou-se e correu em direção à sua casa, onde a mãe, conhecendo as pisadas firmes da filha perdera as esperanças de ter o animal de volta.

Pouco tempo depois os rapazes do xadrez bateram a porta da dona Sandra e a entregaram o coelho.
— Os meninos não viram nada, creio.
— Fique tranquila, tia Sandra, o importante é que o coelho está de volta.
— Obrigada, rapazes.
— Onde está Luci?
— Estudando. Amanhã, com certeza, ela procura por vocês.

Dias depois, era um domingo, a turma do xadrez disputava um torneio na casa de Marquinhos. Além dos três conhecidos, um convidado , o campeão de xadrez da escola, o magrelo Adonias. A dona da casa, dona Gabriela, consciente do amadorismo, da aparente disciplina, do desmanche do tabuleiro que algum revoltoso poderia provocar, assegurou as mães dos jogadores da sua responsabilidade. Claro que essas mães conheciam o poder dessa criação divina... - na culinária. De fato, as reclamações e discussões do jogo logo se calavam com a estratégica chegada de uma pizza quentinha que Gabriela, atenta na cozinha, chegava para acalmar a disputa.

Tudo corria tranquilo, até que a gata cecília apareceu para comer a carne-de-sol que Gabriela deixara sobre a mesa, picadinha, no ponto de misturar ao arroz já no fogo. Era o almoço das crianças.  Os apreciadores chamavam de super-maria-isabel, ninguém fazia igual.
Debaixo dum chuveiro no quintal da casa, acompanhando as intenções  da gata que passava, o talento moreno de Gabriela nem calculou as consequencias. Amarrou o corpo sensual numa toalha e mediu carreira. A gata abocanhara boa parte da carne e corria legítima em direção à saída que dava para a sala de estar, onde os jogadores, assustados com a turbulência, paralisaram o jogo para assistirem à cena de dimensão poética. Dona Gabriela, na entrada da sala, gritou:
— Marquinhos, pega a gata!
— Tia Gabi, a toalha!, gritou Luci.
Tarde demais, a toalha estava no chão.


F Wilson  


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