quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Crônica

(Audrey Hepburn e Henry Fonda na versão de 1956 de Guerra e paz.)



Por Luiz Schwarcz( * )

Sobre caçadas e cenas de amor
 
( ... )
 
No primeiro arroubo que tive como escritor, há décadas, pensei em contar a história de um editor que, desiludido com a vida literária, inventava trechos de um romance inexistente, todo composto de acordo com as modas editorias do momento. Depois disso, ele o levava a Frankfurt, acompanhado de falsos aparatos, listas de mais vendidos e resenhas, vendendo-o a um número significativo de editoras de destaque mundial. Voltando ao Brasil, o editor refugiava-se no interior de São Paulo para escrever o tal romance. No final, conseguia terminar apenas um breve conto — uma verdadeira obra-prima, mas que não correspondia aos compromissos assumidos em Frankfurt. A trama continha um sem-número de outras bobagens, que nem sonho contar. Mas o mais absurdo foi o pedido que fiz a Rubem Fonseca na época, que vale citar em nome de umas boas risadas e pela resposta sábia do escritor.

Munido da trama, este que vos fala foi ao Rio de Janeiro descrevê-la em minúcias ao então amigo e exímio contista, com um pedido:

“Rubem, se eu escrever um romance-paródia do mercado editorial — enfim a história do livro inventado, a fraude na Feira de Frankfurt e tudo o que se passou com o mal ajambrado editor —, será que você redigiria o pequeno conto, a obra-prima, que seria inserida como parte do romance, é claro com os devidos créditos à parte que lhe coube?

A resposta de Rubem foi curta e grossa. Continha uma boutade e uma grande lição. Conto-a com suficiente auto–ironia, mas bastante envergonhado, pois faz parte deste momento tão menor da minha capacidade mental, quanto maior do meu ego juvenil.

“Luiz, a obra-prima é o mais fácil de fazer, difícil mesmo é todo o resto.”

Por obra do deus das pequenas coisas, caí em mim naquele exato momento, enfiei minha viola no saco e abandonei o que poderia vir a ser o pior livro sobre o mercado editorial de todos os tempos.

Passados muitos anos, cometi dois livros de contos. Hoje olho para eles e vejo que só consegui falar de silêncio e timidez. Não há descrição de caçadas em meus contos, ou mesmo uma bela cena de amor. Hoje, já sem consternação, reconheço que não saberia fazê-los. Por isso continuo feliz com a minha vida de editor, ainda mais neste momento, tão cheio de novos desafios.
 
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( * ) Luiz Schwarcz é editor da Companhia das Letras e autor de Linguagem de sinais, entre outros. Ele contribui para o Blog da Companhia com uma coluna semanal chamada Imprima-se, sobre suas experiências como editor.

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