sexta-feira, 4 de junho de 2010

Conto de Emerson Araújo

(imagem arquivo google)

O Abraço do Escorpião


O grito estridente de Aparecida às duas horas de uma madrugada seca fez a rua acordar. Lâmpadas acesas, os vizinhos pelas frestas das portas.
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Aparecida dentro da rede de cordas velhas, tremia em convulsão. Vovó Perpétua cambaleando foi a primeira a se levantar, não tinha nenhum ungüento em casa, na perna de Aparecida a marca da telson pelo fio de sangue esverdeado. No Mil Réis era comum as lacraus saírem à noite a procura de comida.
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A perna de Aparecida continuou a roxear, minha prima não chegaria à manhã seguinte. Uma lágrima desceu do meu rosto, não teria mais nas noites de chuvas torrenciais o corpo quente, o cheiro de azeite de mamona daqueles cabelos espichados e nem o odor quase insuportável do frasco de príncipe negro derramado debaixo dos braços.
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Não tinha jeito, o veneno agia lentamente sobre aquele corpo azeitonado, sem piedade. Logo, logo, Aparecida estaria dentro de um caixão de madeira frágil. O rosto lívido, flores amarelas enfeitando a manhã seguinte.
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Vovó abriu a porta, saiu, quando retornou, trouxe Padrinho Adão.
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Padrinho cuspiu o fumo mascado na entrada da porta, tirando do pequeno alforje de brim azul uma faca miúda, amolada. Sobre Aparecida fez o que tinha de ser feito. No outro dia, eu voltaria a Oeiras.

No mês de dezembro, voltei ao Mil Réis novamente para as férias de fim de ano, Aparecida com um alguidar na mão separava o feijão da safra de abril, um par de muletas encostado à parede sem reboco, fazia parte do cenário.

Emerson Araújo

Em: blog legal - expressão em mote

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