domingo, 17 de abril de 2011

Dia-a-dia

(foto: web)

Encontros

Camila é uma coincidência infalível que me acontece quando vou ao centro de Teresina. Caminhando pelas ruas lá está ela olhando uma vitrine de loja. Oi, Camila! Ela retribui com um sorriso puro. E pronto, só isso. Olho o relógio e sigo meu caminho.

Minhas idas ao centro só acontecem uma ou duas vezes durante a semana, e há semana ou mês que nem piso lá. Outro dia vou ao banco, lá está Camila na fila, simpática como sempre. Olhos negros me sondando e ao mesmo tempo respondendo que não marcou encontro comigo ali, nem acolá, nem em lugar nenhum. Mas ela sabe que meu silêncio é verdadeiro, e que  a gente nega participar do teatro do destino que insiste em nos colocar num drama em que há pão na terra e poesia no vinho.  E eis que os protagonistas desse teatro são terminais bancários que cospem o dinheiro da realidade. Camila consulta seu saldo bancário, em dívida, em família e não há troco para sonhos. Me acena com sua mão rosada que o vento não cansa de acariciá-la, e se vai para um outro dia em que a coincidência nos assiste.

De uma coisa a gente sabe: todo teatro se vinga numa tragédia. Tanto eu quanto ela já passamos da idade de aventuras. Preferimos o realidade como se apresenta. Não uma realidade de conformismo, nem de revolução. Mas de enxergar melhor a ordem e o sentido da vida. Dá pra ver a fragilidade da nossa personalidade: ou ignorar  a coincidência ou se aventurar na atração (suicida?)  do destino.

Acho que não há como escapar desses nossos encontros. Outro dia o sindicato convocou a categoria em assembléia, no lugar de sempre: a Praça da Bandeira. Debates acalorados sinalizando greve. Aí o sindicato sugeriu o grupo a sair em passeata pelas ruas de Teresina, um carro de som puxando os manifestantes em ordem de greve por melhores salários. Não gosto dessas passeatas, pois vejo sempre uma cavalaria policial com sabres afiados pronta para entrar em ação contra os manifestante. Como não tenho experiência de heroísmo, olho para os lados em tentativa de fuga, mas vejo ela, montada num cavalo branco, me acenando com um lenço e com o sorriso mais lindo do mundo.

Anda, moço, me empurra gentilmente uma colega atrás de mim. Ainda vejo Camila, um pouco distante na minha frente,  me acena de novo com uma bandeirinha vermelha. Depois ela se perde no meio da revolução. Mas ela deixa seu perfume pelo caminho, entre pessoas que desconhecem tal fragância.

Incrível, como se eu conhecesse a intimidade desse bálsamo há muito tempo. Como um cão com o focinho levantado, prossigo na passeata, segui-la de perto ou de longe e cheirar seu ar puro, seu perfume humano, sua sensualidade de mulher, me encher dessa munição fatal para fulminar o exército indecoroso da injustiça social.


F Wilson

Nenhum comentário: