sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Mais duas estórias de A Tito Filho

(Piracuruca-PI. Casarão - Espaço Jovem - Praça Irmãos Dantas. Imagem: google)

O delegado Manezinho

(Delegado de Polícia de Piracuruca (PI). Muito estimado pelo povo. Decidia com rapidez. Gostava de fazer justiça a seu modo)

Certa vez um caboclo da zona rural o procurou na delegacia. Queixou-se de que o Tonico lhe roubou uma vaca, matou o animal e comeu com a mulher e os filhos.
 
O delegado logo marcou audiência para o dia seguinte, a fim de resolver o caso.
 
E mandou intimar o Tonico, que afirmou haver roubado a vaca: “ com a muié de bucho, esperando minino. Com mais oito fio pra criar, lá em casa a fome anda mardita. O jeito foi robá a vaca”.
Manezinho ouviu tudo, com atenção.
— Quer dizer que vaincê roubou a vaca pra dá comida pra muié e pros fio?
— Foi, seu delegado.
— Pois amenhã, quatro hora, teja aqui pra eu arresorvê o causo.
 
Quatro horas, na Delegacia, presentes o Delegado Manezinho, o dono da vaca e o acusado. Manezinho decidiu com rapidez:
— Seu Bené, a estória da vaca não foi bem contada. O Tonico robou o animal, e aí vaincê disse a verdade. Mas vaincê não disse qui o Tonico e a famia tava passando fome. Vaicê me enganou escondendo os fatos.
E virando-se para Tonico:
— Cadê o couro da vaca?
em casa, seu Delegado.
— Pois vá vendê o couro. E fique com o dinheiro apurado. Beba umas cana pra não ter arrependimento.
E pra Bené:
— Tá arresorvido o causo. Vaincê não contou a estória direito. Perdeu a razão. Podem se arretirá.
 
Assim era a justiça do Delegado Manezinho.
 

(Teresina-PI. Av. Frei Serafim. Imagem: google)
Pedro Basílio da Silva

(Homem público sério e honesto. Durante anos, foi delegado de polícia de Teresina, cargo que desempenhou com coragem e energia. Já falecido.)

Na zona rural de Teresina, há um lugar chamado Periquito, que pertenceu a distinta senhora, cujo verdadeiro nome escondemos, por motivos óbvios. Ela, neste relato, passa a chamar-se Sinfrônia.
Certo sábado, houve baile no Periquito. Muito caboclo, muita mulata, muita cachaça. Lá pela madrugada, desavieram-se alguns dançarinos, e começou a briga feia – cacetes, cadeiras, facas fizeram sangue em vários lutadores. Ao final, gente ferida por todos os cantos da enorme latada das danças.
O caso foi ao conhecimento do delegado Pedro Basílio, que mandou prender os brigões e instaurou o competente inquérito. Ouviu testemunhas. Entre estas, um negrão forte, bem falante:
— Você viu a briga? — perguntou o Delegado.
— Seu doutor, eu vivo no Priquito de dona Sinfrônia há muitos anos. Conheço o Priquito de dona Sinfrônia, pelo direito e pelo avesso. Nesse dia, desde a boquinha da noite, começou a chegar gente no Priquito, pra festa logo mais. Não sei o motivo da briga. Sei, doutor, que foi pau muito lá no Priquito, seu delegado. Só sei que correu sangue no Priquito de dona Sinfrônia, como nunca tinha acontecido.
O delegado mandou recolhê-lo ao xadrez.

A. Tito Filho: Gente e Humor. Teresina, Comepi, 1981.



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