sexta-feira, 25 de março de 2011

dia-a-dia

(imagem: google)


Raios e trovões

Está certo que tem caído umas chuvinhas mansas este ano por aqui, dessas que você escuta o tamborilar dos pingos no telhado e a água escorrendo pela rua. Aí dá vontade de ser menino e banhar na chuva. Num sábado desses, pra disfarçar o desejo infantil, tirei o carro da garagem e disse aproveitar a água da chuva para lavá-lo. Na tarde meio escura, ninguém na rua, mas percebi uns vizinhos me observando pelas frinchas de portas e janelas. 

Dia seguinte, domingo, caiu um toró acompanhado de raios e trovões que um temeroso como eu me guarnecia debaixo da cama. Quando a chuva manerou, fui olhar a gritaria na rua: tava lá, a vizinhança inteira, crianças, homens e mulheres lavando seus carros, motos, bicicletas, correndo pela rua numa euforia de vitória.

Fosse uma chuvinha dócil, dava pra entender o espírito infantil daquela turma. Mas em meio a raios e trovões assustadores?! Deviam ser aventureiros soberbos que desprezam cacos de raios e soam mais turbulentos que os trovões.   Ali fora eu não teria sobrevivido.

Vi na televisão cientistas alertarem a população do contato dos pés com o solo em dias de chuva, pessoas descalças ficam vulneráveis à distância de cem metros onde a descarga elétrica de duzentos mil volts de um raio poderia deixá-la carbonizada. Então nem debaixo da cama a gente pode se proteger, pois o contato da minha barriga com a cerâmica seria um desastre. Desisti do esconderijo, era muito desconfortável mesmo.  Havia o plano “B”: dentro do guarda-roupa.

“Pode sair, a chuva já acabou”, dizia Marcela, minha mulher, abrindo a porta do guarda-roupa. E acrescentava: “Vai ter de arrumar essas roupas que você tirou daí”. Fazer o quê, o importante é sobreviver. Marcela era uma pedra na cama quando dormia. Mas agora, quando o JN anuncia que pode chover durante à noite, antes de dormir fica vigilante aos meus movimentos. Mas ela termina dormindo. Se eu procuro abrigo nessas noites de chuva é porque dois passos descalços até o guarda-roupa são perigosos.

Então, quando um trovão, muito distante ainda, sacode levemente a casa, eu acordo e me enfio debaixo da barriga dela, como um pinto debaixo das asas de uma galinha. E só depois de dois ou três trovões de magnitude nove na escala Richter é que Marcela acorda e me  expulsa  do seu ventre, que ela diz não ser abrigo.

Aí o jeito é apelar para o guarda-roupa.


F Wilson
   

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