terça-feira, 31 de agosto de 2010

Entrevista

(Ferreira Gullar - imagem: MEC)

Ferreira Gullar e a poesia

Revista História: Trabalha em algum poema neste momento?

Ferreira Gullar: Eu devo publicar um livro de poesias este ano. Mas preciso dizer: Não trabalho em poesia. Isso não se faz por vontade. Poesia é uma coisa que as circunstâncias determinam. Eu não posso decidir escrever um poema hoje à tarde. Não vai acontecer. O poema, pelo menos no meu caso, nasce de um espanto, de uma descoberta inesperada. Às vezes, fico um ano intero sem escrever sequer um poema. Então preciso dar tempo ao tempo até ter certeza de que o livro já tem um número suficiente de poemas ou de que o que ele expressa está de fato concluído. Por isso quando me perguntam se  sou o poeta Ferreira Gullar, eu respondo: “Às vezes.”

Revista História: A poesia tem alguma finalidade?
Ferreira Gullar: Claro!, Para início de conversa, a poesia é uma coisa necessária para quem faz e para quem lê. Seria fora de propósito que se fizesse alguma atividade humana desnecessária. As coisas são realizadas porque são necessárias de alguma maneira. O número de pessoas que se interessam por poesia evidentemente não é o mesmo daquelas que gostam de futebol, mas tem um público que precisa de poesia. O meu Poema Sujo (1976) é paradigmático neste sentido.

Revista História: Como assim?

Ferreira Gullar: Eu terminei de escrever o Poema Sujo no exílio, na Argentina. Por que o Vinícius de Moraes trouxe o poema gravado para o Brasil? Por que o Augusto Boal insistiu para que o Vinícius me obrigasse a ler o poema? Ora, porque comovia as pessoas. O próprio Vinícius ficou com o olho cheio d’água quando o leu pela primeira vez. No dia seguinte ele já voltaria para o Brasil. Nós demos um jeito e fizemos a gravação. Se não prestasse, iam achar que ele estava louco. Só que as pessoas se apaixonaram pelo poema. Caso contrário ele não aconteceria. Não existe amigo, nem decreto presidencial, nem instituição alguma que faça sobreviver uma coisa que não interessa às pessoas. É so isso. A poesia se mantém porque nos toca e se faz necessária na vida das pessoas. Agora, quando não presta, não presta. E aí não há milagre.

(...)

Trecho da entrevista publicada na Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 5, Nº 59, Agosto 2010.

Um comentário:

EMERSON ARAÚJO disse...

Poeta, Gullar dá um tapa na cara destes formalistas atávicos de plantão. A poesia comove e resolve. Concordo com ele. Poesia que não mexe com as pessoas serve mesmo pra quê? Abração!